,

"Nasci pela Ingazeiras/ Criado no ôco do mundo./ Meus sonhos descendo ladeiras,/ Varando cancelas,/Abrindo porteiras./ Sem ter o espanto da morte/ Nem do ronco do trovão,/ O sul, a sorte, a estrada me seduz./ É ouro, é pó, é ouro em pó que reluz/ É ouro em pó, é ouro em pó./ É ouro em pó que reluz:/ O sul, a sorte, a estrada me seduz"

- Ednardo



terça-feira, 15 de dezembro de 2009

teu poema

às seis horas da manhã, o meu poema acordou. veio, jato quente de ar, do poço dos pulmões. às seis horas da manhã, enquanto acordava meu poema, entrava em mim a matéria do mundo – estouro de ar; pipoca no peito o pó grosso da vida –, embalagem abrindo. meu poema, que acorda, recorda todo dia dos encontros passados com a matéria – dinamite de pétalas, jardim de granadas. é que estão presos por corda, o mundo e o meu poema. meu poema – massa de abraços, soma de beijos, vida de suspiros – nos ônibus da cidade. meu-poema-pisando-pés-pisado. toda a fumaça dessa cidade, toda a cidade dessa fumaça – ela tem as suas ruas, semáforos e calçadas; meu pulmão, que não entende. meu sangue, sentindo-se traído, manda reclamar ao coração, que grita compassadamente pelo corpo, que tosse. meu poema não almoça em casa, que é longe e longe é casa, cara; devora algum verso gordo no espaço de uma palavra. meu poema dando a descarga e dormindo em bancos. a ida, o dia... o diabo com essa vida! meu poema tem olhos: os catadores que levam os filhos no carro. a cega que toca “anunciação” no ônibus. seu paulo, bolsa de lado, contando moedas, que me vende revistas por um real – o tio da revista, disse. os pastores de carro banhando as ovelhas e esperando nas sombras pelas sobras. m. o bicheiro, para quem contraventor é palavra azeda, digo poeta de sonhos e símbolos. o guarda da empresa e seu bigode-colete me reconhecendo, óculos preto – futebol se tivéssemos tempo. o senhor que às sete horas acaricia o pote de sorvete com a colher-língua – sumiu, nunca mais vi – estará provando o sorvete das nuvens? os dois olhos do meu poema raspam a camada de indiferença, anonimato. mato o pulmão com suspiros profundos. na grossura do cinza, sei passar a não viver sem ela enquanto passa. meu poema vê o mormaço do asfalto – chora orvalho. meu poema-árvore quer chamar os irmãos para uma tarde em seu regaço. dirão, todavia, que hoje não é dia. meu poema, as cores do que fiz e faço, imagina-se como pátria para todos: campo de manhãs eternas, cascata de amores distantes, rede onde balance a vida.
dorme, meu poema, que há toda uma eternidade para nossa foz de paixões.
dorme, que mereço. cansaço, adormeço.

Nenhum comentário:

Postar um comentário