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"Nasci pela Ingazeiras/ Criado no ôco do mundo./ Meus sonhos descendo ladeiras,/ Varando cancelas,/Abrindo porteiras./ Sem ter o espanto da morte/ Nem do ronco do trovão,/ O sul, a sorte, a estrada me seduz./ É ouro, é pó, é ouro em pó que reluz/ É ouro em pó, é ouro em pó./ É ouro em pó que reluz:/ O sul, a sorte, a estrada me seduz"

- Ednardo



domingo, 28 de novembro de 2010

o verso

"[...] é o homem/ o pequeninho ser que treme,/ cai e levanta/ a fronte mais ferida/ e com o braço recém-arranhado/ empunha os relâmpagos"
(Pablo Neruda)


um dia,
no auge de toda poesia,
hei de atirar um verso,
não o sei ao certo,
contra o céu da boca –
ele trará os cheiros da terra
e um rastro verde de inverno.

nesse dia,
o verso sangrará outros –
estrelas incandescentes –
pelo buraco gravado no teto .

um dia,
com tudo o que queria,
hei de trançar esse verso,
o que não sei ao certo,
até fazê-lo em forca.

nesse dia,
ficarão as marcas na minha garganta
de todo o mel e a neblina
que dela fugiram em canto.

um dia,
no cume de toda agonia,
hei de jogar esse verso,
e o seguirei de perto,
do alto de uma torre.

nesse dia,
cantará o verso sobre o chão
até fazer-se poema no trigo
de todos os pães sobre as mesas.

um dia.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

esmo, léu

cabe a poesia antes que venha o fogo, os chutes, a água, o cuspe, as espingardas, o descaso e o ódio... cabia

a minha tigela
tem as cores do céu
e nuvens escassas
tintilando ligeiras.

tem o brilho do sol
mais que o das nuvens,
o cheiro do vento
mais que o da comida.

(mal) cabe a mim,
aos meus pequenos
e à poesia da súplica:
cabe a fome.

na minha tigela,
vê-se o fundo,
cabe o mundo
invertido.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

da luta não me retiro



uma homenagem do passado aos camaradas do ME combativo, mais uma vez vitorioso na UFC provando que sonhos não envelhecem

era uma massa de cores,
vermelhos, róseas, brancos.
promessas, verdades, cantos.

uma confusão de braços –
que deles nós temos dois
para tantos irmãos, tantos.

os abraços aqui, pois,
andando, amores serão,
e amores quando marcham

são sempre contravenção.
hoje à noite, noite-dia,
tomamos o chão da praça,

hasteamos poesia;
escrevemos as bandeiras,
eram todas rebeldia.

batuques, cheiros, cachaças.
verdes, lilases, laranjas
eram as cores da massa.


2008

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

ali

ontem, eu gostaria de dizer algo
algo pode ser uma vida pequeno
pequeno para caber milhas aqui –
aqui,

nesse lugar quente entre os versos
versos que fiz serem teus cabelos
cabelos que eu recito perfume aqui,
aqui...

aqui,
aqui, entre rios dourados, eu te amo
amo e não quero outra deslumbre tu vida,
vida a escalar-te com os dedos.

aqui...
em ti fica a invenção contada em poemas
poemas que cantarão ouro em você
eu que só me soube distante.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

XII [Jokerman]

"Pode-se dizer, portanto, que a religião desempenhou uma parte estratégica no empreendimento humano de construção do mundo [...] A religião supõe que a ordem humana é projetada na totalidade do ser. Ou por outra, a religião é a ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente significativo"
(Peter Berger, O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião)


pus, um chapéu na cabeça
e uma cabeça na bandeja
bandeja de tantos banquetes.

pus uma vela sobre a mesa do jantar,
acesa com o fogo de não sei onde,
não sei quem.

não sei que cristo tinha cobras e leões entre os dedos
dos pés,
não sei que cobras e leões tinham dedos entre os pés
de cristo,
não sei que santo tinha flechas no peito,
não sei que flechas tinham o santo na ponta.

dizem,
houve um tempo em que os deuses
andavam pela terra
até que foram imolados
e assistiram aos dentes contra as vísceras.

não sei que deus tinha não sei quantas cabeças
e não sei quantos olhos para olhar não sei quantos homens
em não sei quantos lugares em sabe lá quanto tempo
temos.

dizem também
que depois de escovarem os dentes
os homens se comeram no jantar,
mas não havia mais pasta.
ficaram com os dentes sujos de sangue,
ficaram secos de tanta fome
dentes-sarjeta, boca-açougue
e o couro da barriga
abraçou as costelas.

e então,
sem saber porque tanta fome
tantas costelas
e quantas mulheres para cada uma;
sem saber porque tanta miséria,
juntaram a ossada dos deuses
e fizerem um grande fogo
enquanto pulavam sobre as chamas.
e eram as chamas dos altos-fornos,
eram as chamas das fábricas,
das caldeiras.

a nuvem negra
levou deus ao céu-cinza.

não sei quantas vezes não sei quantos homens mataram
não sei quantos deuses e fizeram não sei quantas perguntas
e buscaram não sei quantas respostas em sabe lá quanto tempo
temos.


(do livro "séculoXXIpoemas")

"Oh, Jokerman, you don't show any response!"

terça-feira, 2 de novembro de 2010

das pedras e do sonho


"pedras tantas do meu sonho,/ pedes tanto que meu sonho/ é sonhar levar-te, quando?"
(Jorge Luan, "lençol de pétalas")


pedras tantas do meu sonho
caminhos quantos e tortuosos
tantos
que as pedras cantando
saem da vida para o sonho.

sonho, oleira onírica,
academia em que só me vêm
punches, uppercuts, jabes...

pedes
que tenha calma,
ou coisa que o valha,
mas que sonho sonhado é esse
que se faz mais em parcimônia
que em noites e coices de insônia?

“dicotiledônea” seria uma rima,
não uma solução.

sonhar não é coisa que se faça
sonhando:
eu não tenho tempo para sonhar
que sonho.

prefiro ir aos saltos,
suando, rindo e cantando.

só assim
o sonho sai de Morfeu,
ou qualquer imagem breu,
e vai ter com os seus, os homens.