,

"Nasci pela Ingazeiras/ Criado no ôco do mundo./ Meus sonhos descendo ladeiras,/ Varando cancelas,/Abrindo porteiras./ Sem ter o espanto da morte/ Nem do ronco do trovão,/ O sul, a sorte, a estrada me seduz./ É ouro, é pó, é ouro em pó que reluz/ É ouro em pó, é ouro em pó./ É ouro em pó que reluz:/ O sul, a sorte, a estrada me seduz"

- Ednardo



quinta-feira, 18 de outubro de 2012

descoberta


você dorme
e eu teço um bordado
de delicadezas
para te vestir
quando acorde
de mil cítaras
e madrugadas

o lençol te cobre.
mas de que?
a roupa te cobre.
mas por quê?
meus olhos te cobrem
quando o que me salva
é te descobrir

e ir e vir,
e demorar,
e tardar,
e entardecer
sobre tua carne
que me espera
sem saber

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

fado baião

















saindo d’anhão,
do chão do sertão,
num rumo mei torto
de ramos d’alecrim
e rosários d’aboio,
bater peito num casarão,
bater poeira das botas,
bater minério dos olhos,
bater nuvens dos cabelos,
bater tambor nas vielas,
apanhar o fim do cantar:
findar vida verso palavra
no Mar.


sábado, 1 de setembro de 2012

do mar e do rio

"a cidade não está no homem
do mesmo modo que em suas
quitandas praças e ruas"
-ferreira gullar, "poema sujo" (buenos aires, 1975)


a cidade em que vou
perdendo os pés
não é aquela que corre
iluminada
entre os cabelos.

dela, aquela,
sobram pedras e perdas
avenidas ou veredas
que tomam de assalto
os olhos que as viram
se nada mais veem –
quando cerram as cortinas
feito em sono bravo.

feito feitiço
lançado em meu nome:
magia de areia soprada sempre
pelo vento
cegueira de sol batendo duro
no chapéu
assombro de céu fechando água
sobre o tempo.

castigo e alento:

o que só cabe em si
desagua desterro em mim,
foz de um rio n'outro.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

manual para a poesia – parte única e inadiável


como escrever um poema?

nem se iludir:
ele se faz através de você

dois


um poema é feito bandeira fincada
em qualquer fenda do coração;
mas sem a bandeira,
sem a fenda,
sem coração
e tampouco um

até restarmos
os três.

domingo, 29 de julho de 2012

puzzle


querida, na próxima vez
que meus dedos beijarem
os teus dedos abertos
sobre o travesseiro

portarei um elmo,
coberto de esquivas e mistérios,
fingindo não morrer
com o teu quebra-cabeça

quinta-feira, 26 de julho de 2012

da maior importância

quatro mãos


i.
rio: nada.
são paulo: nada.
foto: nada.
poema: nada.

ii.
rio: nademos os dois
são paulo: erro de concordância, concordemos, pois
foto: meu olho que (não) te vê
poema: agora te escreve

terça-feira, 24 de julho de 2012

outra fantasia


há um tempo
que é tempo o bastante
para saber quaisquer coisas
sobre a tua ausência –
essa que quanto mais ela
mais se assemelha
a tua presença.

sei que não morro, nem nada.
passo bem, vivo,
peço fogo a desconhecidos:
paro no sinal.
como três vezes ao dia,
no mínimo.

às vezes, balanço o oceano
e animo as ondas.
ainda acendo o sol com o pouco
fogo de um isqueiro.
picho poemas etéreos no concreto
muro do parlamento.

sem o que é teu –                                                        
vapor de lábios
em meu ouvido,
olhar que se dissolve
em pálpebras,
fantasia de oboés                               
sobre o lençol –
passo quase impune:

a poesia me entrega
sem saber
se me recebes.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

amanha-ser


poema é máquina de fazer doido,
é relógio de distâncias:
quilômetros dentro de milímetros

um poema, o perfume de canela,
é uma fábrica de amanha-seres
e afronta o breu que o erige

não pode ser lago, não quer ser pedra:
lançar-se, fluir em ondas,
sob teus dedos

e caminhar sobre águas
que nem choveram

domingo, 8 de julho de 2012

prometeu III

(em) matéria do desejo que te guardo,
é melhor nem dizer,
trazer comigo. pôr do sol
com olhos fechados.
não ver, negar três vezes –
não dar espaço para sorrisos,
não revelar quantas linhas
são tuas.

matéria do desejo que te guardo:
às vezes, é melhor dar gosto
ao diabo.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

prometeu II

é você quem foge,
também quem me fez
prometeu
e quem depois
devolveu
o fogo
na própria fuga.

são teus o perfume,
a risada,
o suor –
mas tens certeza
de quem és?
quem garante,
de pés juntos,
que estas linhas
te pertencem,
e não a outra?

de lápis e sorriso,
pensei uma vingança:
essa flecha da dúvida
que meu poema lança.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

prometeu I

"everyone's got their chains to break holdin' you"

cidade enevoada:
nem a lua se achou.
perfume de passos,
explosões de risos,
sal da pele
em qual esquina?

nem um palmo à minha frente.
trilhos, ruínas.

teus olhos arriscam um fósforo.

(em) matéria do desejo como fogo,
sou um feliz punhado
de cinzas.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

a oração da crise

aço nosso que estás mais adiante,
metalizado seja o vosso nome,
[milhões de desempregados no mundo]
venha a nós teu corpo montado.
seja feita a vontade do patrão
[deputados tem o salário aumentado]
assim na fábrica como na rua.
o pão nosso de cada dia nos dai hoje,
[governo manda milhões aos bancos]
assim como damos nosso suor vendido
a quem nos tem ofendido.
[sindicatos dizem não poder fazer nada]
não nos deixeis cair em desemprego,
mas, por via das dúvidas, livrai-nos da polícia.

amém.


(séculoXXIpoemas, trecho do poema IX)

quarta-feira, 30 de maio de 2012

a física das flores

se eu tivesse flores,
não as daria à ninguém.
também não daria canções,
antigas cartas,
âncoras, arpões,
odisséias, sertões
volumes de ulisses,
poemas sem dedicatória –
o que me pedisses

se eu tivesse flores,
seriam flores em preto e branco,
como as fotografias,
a economia dos bancos,
a cabeleira das tempestades,
um velho ipê,
a inércia das tardes,
tudo que vê
ou que é visto

terminaria nisto:
nada de entregas e saudades,
ou beijos e vasos e amar-ses,
as flores se dobram à cinza
gravidade.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

uma reta

para bia, que eu (des)conhecia


é possível que haja
uma reta entre os dois -
a sombra do touro
nos olhos do toureiro

mas há tantos outros
no entre
entre os corpos:
portas entreabertas,
poeira de vendavais,
dribles e capas,
espadas e abraços,
achados e perdidos
e reencontros, e passos
passados ao acaso

eu avanço, touro,
ou cresço, fogo,
nos olhos que (quão?)
me veem?

segunda-feira, 21 de maio de 2012

linhas de fuga

ânsias de explosão
desejos de fuga
ou tua presença
que a distância suga

terça-feira, 15 de maio de 2012

a criação

“A terra estava sem forma e vazia;
As trevas cobriam o abismo
E um vento impetuoso soprava sobre as águas”
Gn 1,2


teu corpo estava sem forma e vazio
das minhas mãos.
tua pele esperava o momento
em que as sementes cantariam.
e foi dito:
cada poro teu será a casa
de um dedo meu;
cada milímetro do teu corpo –
e dentro dele, o infinito –
será fecundado pelo verbo.

e eu pus minhas mãos na tua pele,
sussurei entre teus pelos.
houve um suspiro e uma vontade:
foi a primeira vez.

que haja vida em cada curva,
flores sob a colina dos teus seios
e uma relva macia nas tuas coxas.
e que a vida, insaciável,
se beba do suor dos corpos.
houve um gemido e um nascimento:
foi a segunda vez.

vendo que a vida era muita,
chamei aos frutos de “desejo”
e à colheita de “sexo”.
abençoei a ambos e dei ao lavrador
os seus próprios lábios e a língua
para percorrer a terra do corpo.
houve um silêncio e um sorriso:
foi a terceira vez.

como era farta a colheita,
ao lado de cada olho teu
construí um moinho,
dei a cada um o nome de “ouvido”;
sob teu nariz,
nomeei a visão do paraíso
de “tua boca”, porque tua,
e desenhei nela uma larga mesa.
nos moinhos, preparo o pão
dos desejos que me destes
para comê-lo entre mordidas e saliva.
houve um grito e as tuas unhas:
foi a quarta vez.

mas vendo que te pintei perfeita
e que teu corpo era
o princípio e o meio da criação para outrem,
criei as asas e lancei o céu sob elas,
beijei a ventania da “liberdade”.
para carregar o pão que concebemos,
inventei uma mochila às costas
seu nome passa a ser “lembrança”.
houve um entendimento e uma partida:
foi a quinta vez.

então eu disse: que façamos
um retorno para uma “lembrança”
e uma chegada para um êxodo.
que haja sempre os grãos
para quem tem fome,
que haja uma colheita
quando houver desejos.
e houve as bocas e o beijo:
foi a sexta vez.

na sétima vez,
permiti que você e eu
colhêssemos e partíssimos
quando bem quiséssemos.
nessa vez, chamei tudo
o que havíamos inventado de
a criação.

e foi assim
que o espírito dos meus versos
passou a caminhar sobre o teu corpo.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

fantasia


um rio de galhos derramados
sobre a água dos riachos,
correndo, se despedindo,
do cume do seio.

seixos e risos:
o rio passa,
seda verde
sobre o corpo.
deslizar-se, deixar-se cair
de ti,
dos teus cachos e coxas
com o estrondo
de uma pena azul
sobre um chão branco.

flautas e fagotes.
teus cabelos saltam da cama
sobre mim. sob as folhas,
um rosto que me vê
entre cílios e terra.

um céu de rios balançando
sob um dia nublado,
sorrindo, arvorecendo,
mistérios assim.



nº6

segunda-feira, 2 de abril de 2012

baralho

o jogo foi jogado, bela,
e não creio que velhas cartas
caiam das mãos das nuvens
para matar tua sede.

embaralhados os dois,
não sei a quantos reis e valetes
está a dama que procuro,
qual outra mão a ganha.

uma caminhada pelas ruas
e os prédios são copas,
as calçadas são espadas
e o ouro que me salva
foge numa esquina.

em jogo jogado, não se ganha,
se vencem os amores,
se vencem as lembranças,
mas não os amanhãs,
instantes de descuido.

e tomei a liberdade de,
em segredo,
mexer nas cartas do baralho,
guardadas entre fotos e poemas
numa gaveta qualquer.

eu lanço mão das palavras –
e não blefo em nenhuma –
esperando, calmamente esperando,
que você pague para ver.

domingo, 18 de março de 2012

um sopro

um poema não precisa, necessariamente, ter compromisso com a verdade,
o poema só precisa,
e que a verdade não resista
sendo já a mentira de ainda a pouco


i

sei que há palavras por soprar
entre teus cabelos inalcançáveis.
sei que há versos que não foram ditos
sobre o caminho vermelho das tuas unhas.

sei, ainda, que estas não são
quaisquer palavras de algum amor;
sei, também, que aqui não se move
o frêmito doce da lembrança.

ou nem bem havia loiro,
ou nem bem havia dedos,
ou nem sei se havia sopro.

ou nem se passaram horas,
ou nem fugiram as estrelas,
ou nem há mesmo uma dúvida.

ou isso tudo é mentira,
ou isso tudo é bobagem.
ou é bem mais do que vejo:

isto – sem nome – é desejo?


ii

mas não pergunte o que o sopro leva consigo.
não tente, com os dedos, encontrar palavras sobre a nuca.
não produza mapas dos mundos inventados por tuas mãos.

o sopro é tão-somente a intenção do sopro,
e as palavras, talvez, sejam uma linguagem falida,
como falida é a falta delas.
as palavras são menos que a intenção das palavras.

segunda-feira, 12 de março de 2012

pequena história das duas décadas – VIII

ou “esse exílio”

eu não sou eu.
eu mentiria se assim dissesse.
eu nunca poderia
apenas eu.

eu sou os que me multiplicam.
sou a rua onde vivi,
sou as ladeiras que corri,
sou as cercas que pulei
e até as dores que doeram:
sobretudo as que cantei.

não sou apenas estas duas marcas
nas encostas do nariz.
eu sou todos os óculos,
todos os rótulos,
que ficaram para trás:
cada perna quebrada,
a armação empenada,
cada milagre que bailou nas lentes,
nos olhos que a vida ainda guarda.

eu sou as linhas da minha casa,
e toda a tinta passada
que a umidade derrubou da parede,
mas não de mim.
eu sou o quintal que já teve grama.
foi ali, deitado naquela cama,
que versos e sonhos rodopiaram
primeiras, segundas, terceiras vezes...

e eu sou a descoberta do mundo,
esteja ele em qual esquina
estivermos.
mas só me interessa descobrir um mundo
que os homens tenham descoberto.
só me vale inventar um mundo
onde o leite e a luz sejam
as mais evidentes leis.

eu recolho a terra
e as folhas de hortelã.
guardo-as num frasco
mais uma vez.

ponho, outra vez,
os mundos na mochila, nas costas,
as costas nas asas do pau-de-arara.
tomo a tua mão
e a multiplico em pães, peixes e versos.

imitando aquele velho do filme,
eu laço aquilo que amo
com balões mil vezes coloridos
e tudo trago nos dedos, na pele,
na voz.

se voo ou se ando,
se improviso ou se plano,
não sei, não saberei.

cheirando à terra,
bêbado de perfume
sei que vou,
tantas vezes mais:

entre varedas,
eu me exilo
cantando.

sexta-feira, 2 de março de 2012

toda poesia é estrada

comecei o blog com este poema (de 2009) e achei que deveria repeti-lo agora, nas vésperas de torná-lo carne mais uma vez.


eu parto a mim
mesmo
ao partir.

metade do corpo
num século
metade
n’outro
minha alma pela cordilheira:
um pacífico de frio,
uma américa de sangue.

eu recolho a terra,
guardo num frasco.
misturo com alguns cravos
e cascas de romã,
junto com o hálito do vento,
vento da voz dos teus cabelos,
amiga.
guardo minha essência.

jogo o mundo nas costas e
as costas na carroceria –
em caminhos e caminhões
galopo no dorso
do tempo.

corre, meu mundo,
que meu sonho é minha sela
e na casa dos meus amigos
há água!

anda, velho parceiro,
caminha sempre ao meu lado.
casa tuas mulheres fortes
com meus poemas frágeis.

no meu exílio,
não cabe choro, nem vela,
cabem fitas amarelas,
cabem nerudas na mochila,
cabem piazzollas nos ouvidos,
taças de vinho na língua.
cabe a lembrança de ter vivido
e de viver ainda.
cabe o fardo de saber-se humano
e ter compromisso com a primavera eterna
primavera porteña
depois de uma vida invernal
e do fado de saber-se brasileiro.

no meu exílio,
exilado mas residente,
cabe o beijo
de descobrir-se conterrâneo
de cada pessoa
em cada canto.

entre veredas,
eu me exilo
cantando.

(do "SéculoXXIpoemas")

sábado, 18 de fevereiro de 2012

carnavalesco

lá pelo meio de fevereiro
ferve um fogo que fere o negro
na falta de doses de frevo.

em cidades distantes,
num tempo pralém de tanto
entre depois e antes,
queimando a rua no canto –
cada cabra com seu santo,
cada bloco com seu manto.

as rosas ainda bailam no mar
e o fogo tem muito para rodar:

por quantos segundos
eu quero a tua mão e um vão,
limão, calção, canção, ilusão.

eu quero a alegria de quem acha,
eu quero a emoção de quem perde,
achas de graça, cachaça, praça,
raça, caça, massa, passa.

eu quero a doçura de uma ladeira
com mil casarões na beira,
eu quero o bolo de suor e sol,
e sal, e céu, e teu, e mel e só.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

somos uns artistas brasileiros

inútil fazer arrodeios,
sair girando feito perus entre “glu-glus”
e suas respectivas cloacas:
somos todos uns artistas brasileiros
ferrados, frustrados, sem dinheiro,
jogados em qualquer bueiro
ou cargo comissionado.

feito a mãe gritando pela casa
entre almoços, vasos e pontas de faca:
“menino, tu faz um arte”.
levamos à sério, não estávamos brincando,
ou estávamos – rimávamos –
e por isso caímos nessa:
em cima das cadeiras, do barro, da tinta.

(o adolescente se aproxima:
“mamãe, eu tenho algo para dizer...”
a mãe imagina os netos que não terá:
“diga, meu filho, tu não me ilude!”
e o rapaz, meio sem jeito:
“mamãe, é que sou ‘cult’...”)

por que não viver da arte?
a arte plebéia de estar entre homens e mulheres
cantando a vida que está e aquela que quiseres.
dar-se ao ofício de correr pernas pelos mundos,
fotografando o que há para ser feito,
cartografando paisagens invisíveis,
cavalgando luas, centopeias estelares
ou qualquer vida – quanta? – que pensares.

(desfazer, despensar:
concretar edifícios linguísticos hermeticamente fechados
por meio de esfinges de hermeneutas franceses
e aqueles dóceis pequenos burgueses
dos romances do século dezenove.
eu só quero uma poética
de qualquer ética achada nos mercados,
de qualquer frase ouvida nas ruas –
desescrever:
mandar pra baixa da égua
uns cabra véi com cara de nada
e uns besta posando de bacana
nuns livro do tempo que o cão era menino)

inútil negar e se trancar em escritórios,
oratórios e banheiros públicos:
somos todos uns artistas brasileiros
sem verba, duros.

quantos livros não foram lidos,
quantos poemas se perderam entre um ofício,
um misto quente de sensações, seios
e propaganda de veículos!
folículos capilares, planos
seres planares ou qualquer coisa que tu
planejares, ares novos, fogos nas narinas,
meninas seminuas na beira de riachos e rimas,
gargalhadas, marmeladas, amadas, nadas...

eu só posso ser tantos:
meus irmãos me multiplicam,
os bem-te-vis me voam,
as tilápias me nadam,
os manoéis me barros.

artistas lascados de todo o Brasil –
cada cerrado e serra,
cada prado e pantanal,
cada sertão e grão seco de terra,
cada floresta, fresta de mar ou rio –,
eu digo, companheiros,
uni-vos.

uma piada, ou ainda: para a história inglória de alguns “amores”

coice de sonhos:
a dor é doce
e mancha o corpo
com um mel sem fim

pelos meus pés,
já passaram três gerações
de formigas.
nas caldeiras do peito,
preparei litros e litros
de chocolate

nas abas do panamá,
caíram açúcares de mil invernos.
andando pelos lábios,
o sorriso de um padeiro feliz;
mas foste tu, tu és
a doceira da minha agonia,
afrodite semeando diabetes,
vênus da obesidade alheia

(mas há os que perceberão -
entre as juras de amor,
que vez por outra cem,
e tantas compotas reservadas -
a presença discreta de
litros por cima de litros
de algum ácido escondido
nos teus olhares e gemidos)