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"Nasci pela Ingazeiras/ Criado no ôco do mundo./ Meus sonhos descendo ladeiras,/ Varando cancelas,/Abrindo porteiras./ Sem ter o espanto da morte/ Nem do ronco do trovão,/ O sul, a sorte, a estrada me seduz./ É ouro, é pó, é ouro em pó que reluz/ É ouro em pó, é ouro em pó./ É ouro em pó que reluz:/ O sul, a sorte, a estrada me seduz"

- Ednardo



quarta-feira, 30 de maio de 2012

a física das flores

se eu tivesse flores,
não as daria à ninguém.
também não daria canções,
antigas cartas,
âncoras, arpões,
odisséias, sertões
volumes de ulisses,
poemas sem dedicatória –
o que me pedisses

se eu tivesse flores,
seriam flores em preto e branco,
como as fotografias,
a economia dos bancos,
a cabeleira das tempestades,
um velho ipê,
a inércia das tardes,
tudo que vê
ou que é visto

terminaria nisto:
nada de entregas e saudades,
ou beijos e vasos e amar-ses,
as flores se dobram à cinza
gravidade.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

uma reta

para bia, que eu (des)conhecia


é possível que haja
uma reta entre os dois -
a sombra do touro
nos olhos do toureiro

mas há tantos outros
no entre
entre os corpos:
portas entreabertas,
poeira de vendavais,
dribles e capas,
espadas e abraços,
achados e perdidos
e reencontros, e passos
passados ao acaso

eu avanço, touro,
ou cresço, fogo,
nos olhos que (quão?)
me veem?

segunda-feira, 21 de maio de 2012

linhas de fuga

ânsias de explosão
desejos de fuga
ou tua presença
que a distância suga

terça-feira, 15 de maio de 2012

a criação

“A terra estava sem forma e vazia;
As trevas cobriam o abismo
E um vento impetuoso soprava sobre as águas”
Gn 1,2


teu corpo estava sem forma e vazio
das minhas mãos.
tua pele esperava o momento
em que as sementes cantariam.
e foi dito:
cada poro teu será a casa
de um dedo meu;
cada milímetro do teu corpo –
e dentro dele, o infinito –
será fecundado pelo verbo.

e eu pus minhas mãos na tua pele,
sussurei entre teus pelos.
houve um suspiro e uma vontade:
foi a primeira vez.

que haja vida em cada curva,
flores sob a colina dos teus seios
e uma relva macia nas tuas coxas.
e que a vida, insaciável,
se beba do suor dos corpos.
houve um gemido e um nascimento:
foi a segunda vez.

vendo que a vida era muita,
chamei aos frutos de “desejo”
e à colheita de “sexo”.
abençoei a ambos e dei ao lavrador
os seus próprios lábios e a língua
para percorrer a terra do corpo.
houve um silêncio e um sorriso:
foi a terceira vez.

como era farta a colheita,
ao lado de cada olho teu
construí um moinho,
dei a cada um o nome de “ouvido”;
sob teu nariz,
nomeei a visão do paraíso
de “tua boca”, porque tua,
e desenhei nela uma larga mesa.
nos moinhos, preparo o pão
dos desejos que me destes
para comê-lo entre mordidas e saliva.
houve um grito e as tuas unhas:
foi a quarta vez.

mas vendo que te pintei perfeita
e que teu corpo era
o princípio e o meio da criação para outrem,
criei as asas e lancei o céu sob elas,
beijei a ventania da “liberdade”.
para carregar o pão que concebemos,
inventei uma mochila às costas
seu nome passa a ser “lembrança”.
houve um entendimento e uma partida:
foi a quinta vez.

então eu disse: que façamos
um retorno para uma “lembrança”
e uma chegada para um êxodo.
que haja sempre os grãos
para quem tem fome,
que haja uma colheita
quando houver desejos.
e houve as bocas e o beijo:
foi a sexta vez.

na sétima vez,
permiti que você e eu
colhêssemos e partíssimos
quando bem quiséssemos.
nessa vez, chamei tudo
o que havíamos inventado de
a criação.

e foi assim
que o espírito dos meus versos
passou a caminhar sobre o teu corpo.