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"Nasci pela Ingazeiras/ Criado no ôco do mundo./ Meus sonhos descendo ladeiras,/ Varando cancelas,/Abrindo porteiras./ Sem ter o espanto da morte/ Nem do ronco do trovão,/ O sul, a sorte, a estrada me seduz./ É ouro, é pó, é ouro em pó que reluz/ É ouro em pó, é ouro em pó./ É ouro em pó que reluz:/ O sul, a sorte, a estrada me seduz"

- Ednardo



terça-feira, 10 de junho de 2014

encontrados

"foi mistério e segredo e muito mais
foi divino brinquedo e muito mais"


i

morena mourisca de romã
de negros olhos entre os véus
e arquipélagos secretos no corpo

encontra

vaqueiro vagante de cajá
de barbas ruivas sob os sóis
e rios correndo água no rosto

ii

índia arisca de guaraná
de seios doces de açaí
e flechas verdes dos lábios

encontra

sevilhano anarquista azeitonado
de gestos fartos e convictos
e pistola de fabricação soviética no peito

iii

rockeira rebelde de bourbon
de tatuagens coloridas nos braços
e piercing sensual no nariz

encontra

poeta abolicionista de conhaque
de paixão trêmula na voz
e pulmões que precisam de ar fresco

todo

para fernanda, meu partido

você tem parte de mim
que nem me conhecia -
fui partido à revelia?

ou a parte que me parte
me deixou ignorante
do que em mim vivia antes?

bem minha parte partiu
sozinha do ser contido
sem deixar qualquer aviso

parte alguma:

o todo da parte em ti
não se sentia partido
só viajava contigo

de forma que minha forma
de não caber em mim
de sorte que minha sorte
de te achar, em si, afim

une o outrora partido
parte um suspeito indiviso

nos soma, enfim. 


terça-feira, 16 de abril de 2013

e a porra toda


a um hoje tão ontem

informo aos senhores,
incautos doutores
da moral e cívica,
doutores do ITA,
do IME, da UTI,
OSPB,
gente da tevê,
os que comentam jornais
e a porra toda:

vão se foder

e o mais

é o cais
onde aportam palavras
concretas armadas,
pêssegos e tontos
marinheiros, flibusteiros
tiranossauros, genuínos
felicianos e outros tantos
dinossauros calvos,
tardos, mas sim falhos

parvos otários de paletó
um nó na língua
pra morrer à míngua
num chiqueiro,
num beiço de bueiro,
num apê fuleiro
com vista prum rebanho
de coices, fiéis vibradores

isso de meter sempre o focinho
é de quem não libera o cofrinho,
não vive zen
não ama sem
ver o jardim do outro,
não tem braços
pra abraços de polvo

puto
um murro no muro,
um pulo do muro,
um beijo no muro

falir o escuro

quarta-feira, 3 de abril de 2013

pétalas e flechas


para t.

afogo a quinta palavra,
onde cantava recifes, arpões,
odisséias, flechas e pétalas...
quase nada.

já não farei mais
poemas contidos,
quase-ditos,
com (silêncios de) ogivas
de mil mega-tons de vermelho
que não explodiriam
sobre os teus seios.

mas canto palavras em que diga
que te quero –
pouco ou muito, hoje ou sempre,
sem voltas, sem fugas .

e já não risco versos feito fósforos,
nem digo baralhos, mapas,
ou faço ogivas e cartas...

a não ser que tu me peças,
bela,
por mais pétalas e flechas.

e sou mil flores, luares...
naufrágios, corais
e mares.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

descoberta


você dorme
e eu teço um bordado
de delicadezas
para te vestir
quando acorde
de mil cítaras
e madrugadas

o lençol te cobre.
mas de que?
a roupa te cobre.
mas por quê?
meus olhos te cobrem
quando o que me salva
é te descobrir

e ir e vir,
e demorar,
e tardar,
e entardecer
sobre tua carne
que me espera
sem saber

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

fado baião

















saindo d’anhão,
do chão do sertão,
num rumo mei torto
de ramos d’alecrim
e rosários d’aboio,
bater peito num casarão,
bater poeira das botas,
bater minério dos olhos,
bater nuvens dos cabelos,
bater tambor nas vielas,
apanhar o fim do cantar:
findar vida verso palavra
no Mar.


sábado, 1 de setembro de 2012

do mar e do rio

"a cidade não está no homem
do mesmo modo que em suas
quitandas praças e ruas"
-ferreira gullar, "poema sujo" (buenos aires, 1975)


a cidade em que vou
perdendo os pés
não é aquela que corre
iluminada
entre os cabelos.

dela, aquela,
sobram pedras e perdas
avenidas ou veredas
que tomam de assalto
os olhos que as viram
se nada mais veem –
quando cerram as cortinas
feito em sono bravo.

feito feitiço
lançado em meu nome:
magia de areia soprada sempre
pelo vento
cegueira de sol batendo duro
no chapéu
assombro de céu fechando água
sobre o tempo.

castigo e alento:

o que só cabe em si
desagua desterro em mim,
foz de um rio n'outro.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

manual para a poesia – parte única e inadiável


como escrever um poema?

nem se iludir:
ele se faz através de você

dois


um poema é feito bandeira fincada
em qualquer fenda do coração;
mas sem a bandeira,
sem a fenda,
sem coração
e tampouco um

até restarmos
os três.

domingo, 29 de julho de 2012

puzzle


querida, na próxima vez
que meus dedos beijarem
os teus dedos abertos
sobre o travesseiro

portarei um elmo,
coberto de esquivas e mistérios,
fingindo não morrer
com o teu quebra-cabeça