ou “esse exílio”
eu não sou eu.
eu mentiria se assim dissesse.
eu nunca poderia
apenas eu.
eu sou os que me multiplicam.
sou a rua onde vivi,
sou as ladeiras que corri,
sou as cercas que pulei
e até as dores que doeram:
sobretudo as que cantei.
não sou apenas estas duas marcas
nas encostas do nariz.
eu sou todos os óculos,
todos os rótulos,
que ficaram para trás:
cada perna quebrada,
a armação empenada,
cada milagre que bailou nas lentes,
nos olhos que a vida ainda guarda.
eu sou as linhas da minha casa,
e toda a tinta passada
que a umidade derrubou da parede,
mas não de mim.
eu sou o quintal que já teve grama.
foi ali, deitado naquela cama,
que versos e sonhos rodopiaram
primeiras, segundas, terceiras vezes...
e eu sou a descoberta do mundo,
esteja ele em qual esquina
estivermos.
mas só me interessa descobrir um mundo
que os homens tenham descoberto.
só me vale inventar um mundo
onde o leite e a luz sejam
as mais evidentes leis.
eu recolho a terra
e as folhas de hortelã.
guardo-as num frasco
mais uma vez.
ponho, outra vez,
os mundos na mochila, nas costas,
as costas nas asas do pau-de-arara.
tomo a tua mão
e a multiplico em pães, peixes e versos.
imitando aquele velho do filme,
eu laço aquilo que amo
com balões mil vezes coloridos
e tudo trago nos dedos, na pele,
na voz.
se voo ou se ando,
se improviso ou se plano,
não sei, não saberei.
cheirando à terra,
bêbado de perfume
sei que vou,
tantas vezes mais:
entre varedas,
eu me exilo
cantando.
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