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"Nasci pela Ingazeiras/ Criado no ôco do mundo./ Meus sonhos descendo ladeiras,/ Varando cancelas,/Abrindo porteiras./ Sem ter o espanto da morte/ Nem do ronco do trovão,/ O sul, a sorte, a estrada me seduz./ É ouro, é pó, é ouro em pó que reluz/ É ouro em pó, é ouro em pó./ É ouro em pó que reluz:/ O sul, a sorte, a estrada me seduz"

- Ednardo



segunda-feira, 12 de março de 2012

pequena história das duas décadas – VIII

ou “esse exílio”

eu não sou eu.
eu mentiria se assim dissesse.
eu nunca poderia
apenas eu.

eu sou os que me multiplicam.
sou a rua onde vivi,
sou as ladeiras que corri,
sou as cercas que pulei
e até as dores que doeram:
sobretudo as que cantei.

não sou apenas estas duas marcas
nas encostas do nariz.
eu sou todos os óculos,
todos os rótulos,
que ficaram para trás:
cada perna quebrada,
a armação empenada,
cada milagre que bailou nas lentes,
nos olhos que a vida ainda guarda.

eu sou as linhas da minha casa,
e toda a tinta passada
que a umidade derrubou da parede,
mas não de mim.
eu sou o quintal que já teve grama.
foi ali, deitado naquela cama,
que versos e sonhos rodopiaram
primeiras, segundas, terceiras vezes...

e eu sou a descoberta do mundo,
esteja ele em qual esquina
estivermos.
mas só me interessa descobrir um mundo
que os homens tenham descoberto.
só me vale inventar um mundo
onde o leite e a luz sejam
as mais evidentes leis.

eu recolho a terra
e as folhas de hortelã.
guardo-as num frasco
mais uma vez.

ponho, outra vez,
os mundos na mochila, nas costas,
as costas nas asas do pau-de-arara.
tomo a tua mão
e a multiplico em pães, peixes e versos.

imitando aquele velho do filme,
eu laço aquilo que amo
com balões mil vezes coloridos
e tudo trago nos dedos, na pele,
na voz.

se voo ou se ando,
se improviso ou se plano,
não sei, não saberei.

cheirando à terra,
bêbado de perfume
sei que vou,
tantas vezes mais:

entre varedas,
eu me exilo
cantando.

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