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"Nasci pela Ingazeiras/ Criado no ôco do mundo./ Meus sonhos descendo ladeiras,/ Varando cancelas,/Abrindo porteiras./ Sem ter o espanto da morte/ Nem do ronco do trovão,/ O sul, a sorte, a estrada me seduz./ É ouro, é pó, é ouro em pó que reluz/ É ouro em pó, é ouro em pó./ É ouro em pó que reluz:/ O sul, a sorte, a estrada me seduz"

- Ednardo



quarta-feira, 11 de agosto de 2010

os 30 cearenses menos influentes (IV)

Babi Guedes

Sobre a noite baixa caem as horas em notas e vinho. Babi tocando violão.
Deu-nos o número do celular depois de tudo.
Deu-nos tudo depois de nada.
E deu de cair cantando nos poemas.

Barão

Um nobre sem servos, mas cervejas e cachaça. Também sanduíches. Uma vez, quisemos aquela cana de frutas vermelhas e Barão foi buscar no bar ao lado. Ao longo dos dias, Barão e sua camisa vermelha, pano passado, trazendo ligeiro a cerveja ligeira a mão ligeiro a cerveja ligeira a voz ligeira a cerveja, grade.
Sorrimos porque somos menores que o álcool, mas somos maiores – não que isso importe.

Zé Iran

Como cabem “tio” e “padrinho” no mesmo José? Na Igreja de Flamengo, me sagrei cristão sobre a benção dele e da madrinha. A minha fé se foi e nunca pedi perdão a ele por isso.
Quando ainda morava na Barra, um sítio, comprou uma moto. Como não sabia andar, dependia de quem pudesse levá-lo.
Sobre as mulheres da sua vida, palavras quase em cantiga de roda hão de rodar na boca dos meninos:
A primeira, nó nas tripas;
A segunda, traição;
A terceira, um aneurisma;
Na quarta, virou “irmão”.

Francisco

O Beco da Poeira sairia dali, o Beco da Poeira iria para a Avenida Imperador, onde não há mercado bom para plantas medicinais e fumo e rapé e pimenta e etc.
O Francisco moreno e de olhos puxados quase escondidos sob o boné.
“Quando eu sair daqui e me aposentar, vou morar numa casinha que tenho lá em cima da serra, lá no Quixeré, em Lagoinha”. E me falou isso do nada, mas como quem puxa algo de dentro do peito. Era daquela família de frases que não dizemos aos filhos, aos pais, ou à mulher porque são palavras que explodiram anos-luzes atrás e só sabem brilhar dia a dia nos olhos, que lacrimejam.
Longe do Box, longe do Beco, longe da sombra, Francisco agora vende nas ruas do Centro.


Jazinete


A minha madrinha tinha mania de limpeza. Em sua casa, só se entrava pela porta de trás e sem os calçados. O resultado era que o cimento brilhava, espelho perfeito. Espanava os caibros e as ripas, espanava as linhas.
A casa ficava num lugar alto e sujo pelos ventos, e minha madrinha ia varrendo o terreiro, o alpendre, a sala e os quartos enquanto a comida estava no fogo – mais valia varrer o vento.
Dizem que um dia retirou cada telha da casa e lavou, mas não sei se foi antes ou depois de lavar o gato e pendurá-lo no varal.
Minha madrinha – que pouco poderia me dar além do carinho e dos doces – um dia retirou da parede da sua casa um quadro que eu sempre quis, estava dando-a a mim; mas não antes de limpá-lo, claro.

Dona Eunice*

Dona Eunice jogou pedras quando o rapa veio tomar os produtos que vendia, “o cacete comeu”. Cada pedra tinha o peso dos 40 anos de comércio ambulante, cada pedra era cada uma das calçadas em que vendeu, mas cada pedra saiu pela culatra e parou o coração. Três dias na UTI. E Dona Eunice vendia tão pouco...
Dona Eunice, que eu não conheci, traz numa bolsa um certificado: foi a primeira cliente da ROMCY e ganhou um conjunto de taças. Dona Eunice – para além do rapa e dos perigos da rua – traz consigo o momento em que foi importante.
Carrega contigo também estas linhas, Dona Eunice.


* Créditos para o sociólogo e amigo Joannes Paulus, que salvou os depoimentos de Dona Eunice na sua monografia, um estudo sobre os impactos causados pela construção do METROFOR no comércio ambulante do centro de Fortaleza.

Um comentário:

  1. Simples e igualmente bela homenagem a essas grandes e esquecidas pessoas do nosso estado que venera "ridículos tiranos" ( desculpa aí, Caetano).

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