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"Nasci pela Ingazeiras/ Criado no ôco do mundo./ Meus sonhos descendo ladeiras,/ Varando cancelas,/Abrindo porteiras./ Sem ter o espanto da morte/ Nem do ronco do trovão,/ O sul, a sorte, a estrada me seduz./ É ouro, é pó, é ouro em pó que reluz/ É ouro em pó, é ouro em pó./ É ouro em pó que reluz:/ O sul, a sorte, a estrada me seduz"

- Ednardo



sexta-feira, 5 de novembro de 2010

XII [Jokerman]

"Pode-se dizer, portanto, que a religião desempenhou uma parte estratégica no empreendimento humano de construção do mundo [...] A religião supõe que a ordem humana é projetada na totalidade do ser. Ou por outra, a religião é a ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente significativo"
(Peter Berger, O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião)


pus, um chapéu na cabeça
e uma cabeça na bandeja
bandeja de tantos banquetes.

pus uma vela sobre a mesa do jantar,
acesa com o fogo de não sei onde,
não sei quem.

não sei que cristo tinha cobras e leões entre os dedos
dos pés,
não sei que cobras e leões tinham dedos entre os pés
de cristo,
não sei que santo tinha flechas no peito,
não sei que flechas tinham o santo na ponta.

dizem,
houve um tempo em que os deuses
andavam pela terra
até que foram imolados
e assistiram aos dentes contra as vísceras.

não sei que deus tinha não sei quantas cabeças
e não sei quantos olhos para olhar não sei quantos homens
em não sei quantos lugares em sabe lá quanto tempo
temos.

dizem também
que depois de escovarem os dentes
os homens se comeram no jantar,
mas não havia mais pasta.
ficaram com os dentes sujos de sangue,
ficaram secos de tanta fome
dentes-sarjeta, boca-açougue
e o couro da barriga
abraçou as costelas.

e então,
sem saber porque tanta fome
tantas costelas
e quantas mulheres para cada uma;
sem saber porque tanta miséria,
juntaram a ossada dos deuses
e fizerem um grande fogo
enquanto pulavam sobre as chamas.
e eram as chamas dos altos-fornos,
eram as chamas das fábricas,
das caldeiras.

a nuvem negra
levou deus ao céu-cinza.

não sei quantas vezes não sei quantos homens mataram
não sei quantos deuses e fizeram não sei quantas perguntas
e buscaram não sei quantas respostas em sabe lá quanto tempo
temos.


(do livro "séculoXXIpoemas")

"Oh, Jokerman, you don't show any response!"

Um comentário:

  1. Bravo! Esse já faz parte das coisas sobre as quais não sei dizer. Puro gozo estético, profético, "bofético" (na cara do mundo). Bravíssimo...

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