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"Nasci pela Ingazeiras/ Criado no ôco do mundo./ Meus sonhos descendo ladeiras,/ Varando cancelas,/Abrindo porteiras./ Sem ter o espanto da morte/ Nem do ronco do trovão,/ O sul, a sorte, a estrada me seduz./ É ouro, é pó, é ouro em pó que reluz/ É ouro em pó, é ouro em pó./ É ouro em pó que reluz:/ O sul, a sorte, a estrada me seduz"

- Ednardo



quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

sobre as asas à noite




eu lanço palavras no ouvido da noite
e ela responde em vento, nuvens e som;
responde em palavras alheias
que me aparecem juntas.

travamos um diálogo
e apostamos a vida um do outro
como em jogo de meninos.
bêbados, juramos que o mar
seria nossa derradeira garrafa
se perdêssemos.

guardamos três passos de distância,
guardamos um riso triste no canto
da boca
e nos olhamos no silêncio das ondas –
há qualquer coisa que não entendemos.

madrugada,
quantas vezes beijei teus lábios,
quantas vezes caminhei
embriagado dos teus perfumes:
o jardim no escuro,
a chuva no asfalto,
os becos do amor secreto,
o rugido da maré,
os gritos na delegacia,
a fé

e um tal Bob Dylan
declamando os direitos civis
no meu cd player.
só quero esse mesmo direito, mamma:
cantar as asas dos homens.

e você sabe que é difícil
cantar tão alto
quando a vida
puxa tão baixo.

mas eu sei, pela poesia,
imaginar quatro cordas
em cima da pouca altitude
a que me trouxe a vida .

você se ri do artifício, oh , sister,
e perde lindamente a aposta,
pois não sabe como fiz uma palavra
florescer da imundície de outra.

afogas a boca no
mar,
e é como se, aos poucos,
nascesse uma manhã.

bato a areia das roupas,
bato a testa na luz do dia
e acendo um cigarro nela
enquanto sorrio um gole...
sou um bêbado calmo
praia acima,
pois sei
não haver sol que queime
as asas que os homens aprenderam
na noite que existe
em cada olhar seco,
em cada sorriso amarelo,
em cada flanelinha baleado,
em cada homossexual violado,
em cada filho morto pelos policiais,
em cada negro sentado no fim do ônibus,
em cada noite.

sou um bêbado (im)paciente rua acima
e sei não haver sol que queime
asas rabiscadas entre fogo e sangue
para pisar o céu logo depois de
varrer o chão.


João Pessoa – Dezembro de 2010
Acopiara – Janeiro de 2011

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