,

"Nasci pela Ingazeiras/ Criado no ôco do mundo./ Meus sonhos descendo ladeiras,/ Varando cancelas,/Abrindo porteiras./ Sem ter o espanto da morte/ Nem do ronco do trovão,/ O sul, a sorte, a estrada me seduz./ É ouro, é pó, é ouro em pó que reluz/ É ouro em pó, é ouro em pó./ É ouro em pó que reluz:/ O sul, a sorte, a estrada me seduz"

- Ednardo



sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

lírico

à memória de Luiz Claudio

Ontem, morreu um maldito.
E se morreu porque viveu,
“Maldito” era por ter vivido
Em demasia, aos pulos, em poesia.

Ontem, morreu um maldito,
E maldito era por saber
Que a vida é mais que o menos
A que se vê reduzida
Nas sarjetas, nas fazendas, nos guetos,
nas ruas em que se vendem os homens
publicamente.

Ontem morreu um maldito,
Morreu um velho coração anarquista,
Mas não morreu o vermelho que bombeou
Num mundo sem sal, sem cor, sem fé
Que pode ser outro mundo.

Morreu, ontem, um vagabundo
Que debochava dos hipócritas
Ao mostrar o que escondiam,
por vergonha, ou por convenção,
Atrás dos próprios olhos.

Morreu, ontem, um vagabundo
Cuja metodologia era o whisky
E os óculos escuros,
Mas também as pichações nos muros.

Morreu, ontem, talvez,
O último dos líricos (não confesso)
Num mundo sem lirismo,
O último dos profetas
Num mundo onde o futuro
É repetição,
O último dos revolucionários
Num mundo sem revolução.

Mas morreu ontem, também,
O mentor de um sem número
De jovens curiosos, mendigos.

Em cada noite nos bares,
Em cada tarde ouvindo Chico Buarque,
Em cada derrota no tabuleiro,
Em cada pf no Garça,
Em cada compra com vales,
Em cada discussão literária,
Em cada aula nas salas de educação bancária,
O que nos ensinava não era,
Justamente,
A plantar sobre o concreto?
A alçar vôo com os tênis?
A criticar os críticos?

O que soube mesmo
Foi incomodar:
Mosca na sopa,
Pedra no sapato,
Ode ao burguês.

Mas se também nos ensinou,
Entre piadas e gritos,
A ser irresponsavelmente líricos,
A profetizar o futuro no passado,
A revolucionar-se uma vez por segundo,
Não ouso mais dizer que morreu:
Cerraram-se as pálpebras
Para abrir-se o livro da História.

Hoje,
Entre filetes de ouro esverdeado
E bordas vermelhas nas linhas,
Vejo um dedo da sua cotidiana ironia
Em cada verso que concebo.

E se, agora, não sei terminar esse poema
É porque o mestre que viveu ontem
Não quer que ele finde,
Não quer que findemos
Até que o mundo faça do lirismo –
Do doce lirismo da igualdade –
A matéria cotidiana dos abraços, do trabalho
E do copo de whisky sobre a mesa.


numa madrugada de janeiro ouvindo Piazzolla.

3 comentários:

  1. ê saudadeee..
    Quanta lembrançaaa...
    ele diria nas suas costas que a sua poesia é do caralho..

    ResponderExcluir
  2. Sem maiores e melhores oportunidades de me despedir, Luan recita o que sentimos!

    ResponderExcluir
  3. Renite em partir e não parte.Fica.Fica nas lutas em que tomou parte,e nas que inspirará.Nas vitórias e,mais ainda,nas derrotas,pois outros retomarão a mesma saga,vencendo desta vez.Fica no rosto crispado e na barba grisalha,na boina e no cigarro.No tabuleiro de xadrez está.É onipresente como o deus que não existe,fica nos livros de história.Fica na madrugada e a perpassa.

    ResponderExcluir