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"Nasci pela Ingazeiras/ Criado no ôco do mundo./ Meus sonhos descendo ladeiras,/ Varando cancelas,/Abrindo porteiras./ Sem ter o espanto da morte/ Nem do ronco do trovão,/ O sul, a sorte, a estrada me seduz./ É ouro, é pó, é ouro em pó que reluz/ É ouro em pó, é ouro em pó./ É ouro em pó que reluz:/ O sul, a sorte, a estrada me seduz"

- Ednardo



quarta-feira, 27 de outubro de 2010

İstanbul


se eu não gostasse tanto da escrita de Orhan Pamuk e, principalmente, se Mariana Guanabara não tivesse me presenteado com uma edição turca de "İstanbul", este poema não existiria

ao lado da moeda
5 kuruş
abaixo da noite

esse poema de mistério,
que fez do mistério sua
matéria.

o livro de pamuk
em turco, türk,
é todo feito dessa matéria.

não o mistério de quem não vê,
ou daquilo que se revela num susto:
é o mistério de quem olha,
de quem quer, mas não pode.

os “s” com cedilha me são estranhos,
também os “g” com circunflexos inversos;
mas nem tanto os “i” sem pingos,
pois é onde livro e eu, breu,
nos reconhecemos
e mostramos as cartas.

eu fico imaginando sentidos,
signo que não significa,
e bordo um livro em cima deste:
desenho İstanbul com as sombras desta.

huzun.
ruínas, melancólicas e turvas
ruínas de prédios e letras
turcas.

e tem varais, canais, jornais,
tem navios partidos pelo tempo
e uma tristeza nestas ruas
entre as linhas,
nas tortas vielas entre as frases –
vielas que, fatalmente,
encontrarão uma palavra com telhados,
ou o precipício do fim da página,
da vida fora de İstanbul.

minhas duas pernas são meus olhos.

os cachorros na rua, a neve,
a fumaça das barcaças
e os trilhos dos bondes;
mas também
duygusunu, otobüs, hipodrom
hatırlatalım, oldoğunu, karşılayamamaktı...
quantas coisas no mundo
e quantos mundos dentro
das línguas.

que importa perder-me entre
esses mercados e palavras?
essas aspas (e) travessas?
entre os sinais?
encontrar-se é luxo de quem
entende.

sobra essa tristeza da noite
sobre as gentes, Galata, os véus,
Atatürk
e o fantasma da união européia
vadeando seus euros pelos becos –
um cão uiva, cidade ruiva,
chovem letras sobre as pedras
e ambas carregam muitos anos.

eu te abraço, cidade velha,
eu te beijo, cidade nova,
como quem vê do Bósforo
uma mesquita atrás da fumaça
e os sentimentos pulando
de dentro das palavras.


as duas últimas fotos são, respectivamente, de autoria de Ozan Sagdic e de Ara Güler

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