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"Nasci pela Ingazeiras/ Criado no ôco do mundo./ Meus sonhos descendo ladeiras,/ Varando cancelas,/Abrindo porteiras./ Sem ter o espanto da morte/ Nem do ronco do trovão,/ O sul, a sorte, a estrada me seduz./ É ouro, é pó, é ouro em pó que reluz/ É ouro em pó, é ouro em pó./ É ouro em pó que reluz:/ O sul, a sorte, a estrada me seduz"

- Ednardo



domingo, 28 de fevereiro de 2010

madrugada


II

Passo.
Por que “passo” parece “passado”?
Paro.
Dou um passo e o passo é passado.
Ajoelho-me na calçada e procuro:
Não há vestígios do meu passo.
Passo pesado. Revejo:
Não há vestígios do meu passo.
Não há dúvida, passo é passado.

Quando ando, deixo um pé de lembrança.
O outro que foi também será passado
Pelo mesmo passo que ficou de lembrança –
Confuso.
Como o passo que darei ainda será já passado?

Desço a calçada e piso na areia.
Passa um riso no meu rosto:
É que ficou meu passo no chão,
Assim, passado.
Eu o observo com carinho,
Um pequeno sinal meu na madrugada.

Mas essa marca é tão tímida:
Passo a mão no passo,
Fica o risco dos dedos.
Sentado na calçada, brinco com a areia.
Então eu posso deixar-me no mundo?
Então eu posso ser hora tênis, hora mão?
Hora: uma hora, vento frio.
Ora, quede o namoro de meus dedos com o pé?
Quede os minutos que dediquei aqui?
Quede o investimento em sonho e tempo?

O que deixo de mim no mundo?
Deixo pequenas coisas que mudarão:
Constelações de utopia nascendo,
Arquiteturas de paixões antigas,
Serenos das nuvens do pensamento.

Mas os poemas não são passos,
Nem sou eu um passo,
Nem é minha vida um passo,
Apesar de passageira.
O que deixo é o que sou
E o que eu quero ser.

O que deixo é o que o mundo não é
Mais
O que deixo é o que o mundo não é
Ainda
Que passe que vá meu nome

Fica a camada de mudança
Que vivi em palavras, abraços
E folhas amarelas que caem
Anonimamente.

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